Resenha | E Não Sobrou Nenhum (O Caso dos Dez Negrinhos)

A escritora Agatha Christie é comumente conhecida como a Rainha do Suspense Policial com as suas obras sendo superadas, em número de vendas, apenas por William Shakespare e a Bíblia. Dona de inúmeros livros, Agatha é mais reconhecida como a criadora do detetive Hercules Poirot e pelas as suas obras mais famosas, como: O Assassinato de Roger Ackroyd, Assassinato no Expresso-Oriente e E Não Sobrou Nenhum, que originalmente tinha o nome de O Caso dos Dez Negrinhos, porém algumas pessoas acharam o título ofensivo e o alteraram.

O livro conta a história de dez pessoas que são convidados por um convidado misterioso, o Sr. Owen, para passar alguns dias na Ilha do Soldado. Todos os convidados foram chamados sobre pretextos diferentes, aumentando ainda mais o mistério daquele lugar. Ao chegarem lá, os dez percebem que há um famoso poema escrito no quarto deles:

“Dez soldadinhos saem para jantar, a fome os move;

Um deles se engasgou, e então sobraram nove.

Nove soldadinhos acordados até tarde, mas nenhum está afoito;

Um deles dormiu demais, e então sobraram oito.

Oito soldadinhos vão passear e comprar chiclete;

Um não quis mais voltar, e então sobraram sete.

Sete soldadinhos vão rachar lenha, mas eis

Que um deles cortou-se ao meio, e então sobraram seis.

Seis soldadinhos com a colmeia, brincando com afinco;

A abelha pica um, e então sobraram cinco.

Cinco soldadinhos vão ao tribunal, ver julgar o fato;

Um ficou em apuros, e então sobraram quatro.

Quatro soldadinhos vão ao mar; um não teve vez,

Foi engolido pelo arrenque defumado, e então sobraram três.

Três soldadinhos passeando no zoo, vendo leões e bois,

O urso abraçou um, e então sobraram dois.

Dois soldadinhos brincando ao sol, sem medo algum;

Um deles se queimou, e então sobrou só um.

Um soldadinho fica sozinho, só resta um;

Ele se enforcou,

E não sobrou nenhum.”

Ao chegarem para o jantar, onde há exatas dez  figuras de soldadinhos em cima da mesa , eles são surpreendidos quando um gravador é acionado ligando uma fita, com o interlocutor uma pessoa desconhecida, que revela todos os casos onde eles foram absolvidos injustamente dizendo que durante a estadia na ilha, todos eles iriam pagar pelos seus pecados com a própria vida. E então o medo se espalha, acusações começam a surgir e, de repente, mortes começam a ocorrer remetendo em ordem ao poema, ao passo que cada morte que ocorre, um soldado é retirado da mesa…

Agatha consegue nos prender desde as primeiras páginas da obra com a descrição dos personagens que possuem seus conceitos morais bem definidos, ajudando-nos a conhecer melhor que eles são:

  • Anthony Marston é o homem com fama de fanfarrão e imoral, sendo acusado de matar duas crianças por dirigir perigosamente, mas não sente remorso algum por isso.
  • General MacArthur é um homem astucioso que sabe que nunca conseguirá sair vivo daquele lugar, tanto ele quanto os outros. Foi acusado de mandar, propositalmente, o amante de sua esposa para um combate que o General saberia que ele não iria sobreviver.
  • O Juiz Wargrave é um personagem com uma opinião firme sendo inflexível. Foi acusado de mandar um homem honesto a forca.
  • O Dr. Armstrong é um experiente médico que sofria de alguns vícios, como o alcoolismo. Por causa de tal vício, foi acusado de operar uma paciente enquanto estava sobre o efeito do álcool e, por consequência, a matando.
  • Emily Brent representa a figura religiosa da situação com uma moral inquestionável , lendo a Bíblia sempre que pode. Foi acusada de deixar a sua empregada para morrer enquanto ela estava grávida.
  • William Henry Blore é o oficial de policial que age de forma mais pacífica e calma em relação aos demais convidados. Foi acusado de dar falso testemunho em um tribunal que fez com que o condenado, inocente no final, morresse pouco tempo após adentrar na prisão.
  • Phillip Lombard é o mais corajoso do grupo, e o único que veio com um revólver para a ilha por causa da carta enviada pelo Mr. Owen a ele, que não demonstra remorso algum pelo crime com o qual foi condenado: numa expedição, abandonar uma tribo de nativos os deixando para morrer de fome;
  • Vera Claythorne é uma mulher que outrora servira como governanta de um casa tendo a missão de cuidar do menino Cyrill Hamilton. Vera era apaixonada pelo parente de Cyrill, Hugo. E por conta disso foi acusada de deixá-lo morrer afogado.
  • Ethel e Thomas Rogers são o casal de funcionários da Ilha do Soldado. Jamais viram o Sr. Owen e são acusados de deixar uma velha senhora doente morrer para poderem fugir com a sua herança. Ethel fica em estado de choque quando escuta a sua parte na fita.

Agatha Christie sempre consegue nos deixar mais curiosos para saber sobre o passado dos personagens, e, principalmente, se estão mentindo ou não. A escritora nos conduz lentamente ao fatídico jantar, onde, antes mesmo da fita ser tocada, já ocorre um clima de inimizade entre os convidados. O “baque” emocional que os personagens sentem enquanto a voz misteriosa os julga um a um é descrito de forma perfeita pela autora nos deixando na mesma situação que eles: perplexos.

A que parecia ser a grande Ilha do Soldado acaba se tornando um espaço cada vez menor, mais perigoso deixando todos os personagens em risco mortal a qualquer hora. Sem meios de comunicação, uma tempestade que se aproxima, o navio de suprimentos para a ilha que nunca chega…  A construção de espaço realizada pela autora nos deixa com uma sensação constante de claustrofobia inquietante.

Há vários momentos onde o leitor lê os pensamentos mais profundos e perigosos dos personagens fazendo com que haja a desconfiança em completa em cada um dos dez convidados e o anseio para lermos mais, provando ser um recurso genial para o caminho da história. Christie gosta de brincar com as expectativas daquele que está lendo o livro, oferecendo dicas pontuais que parecem não se encaixar, mas no final tudo é revelado. Nós não sabemos nem mais e nem menos que os personagens do livro sabem sobre os outros fazendo com que entendamos os seus desesperos e as suas aflições. O livro contêm vários plot-twists que aparecem ao redor da trama que pegam qualquer leitor de surpresa deixando o caso mais emblemático.

As cenas de morte são descritas de forma sensacional, com uma tensão e um perigoso constante até que o assassino alcance as suas vítimas, e a forma com que cada morte foi relacionada ao poema… uma jogada incrível de Agatha Christie! Mas tudo isso não é nada quando comparado a leitura das derradeiras páginas do livro, onde lemos a confissão do assassino. Uma revelação inesperada que a cada linha que o assassino descreve as suas motivações e os métodos utilizados para realizar a sua “punição” nos deixam mais fascinados pela grande reviravolta.

Um dos livros mais famosos de Agatha Christie que já foi adaptado e referenciado várias vezes, E Não Sobrou Nenhum é um suspense criminal excelente que nos prende, nos faz desconfiar e nos surpreende do início ao fim. Empolgante e muito bem escrito,  é um livro que deve ser lido por todos que gostam de suspense criminal e de outras obras da famosa Rainha do Suspense Policial.

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