Especial | Gênios dos Quadrinhos: Hal Foster

As histórias em quadrinhos, carinhosamente chamados de a 9ª arte, fazem parte da rotina de milhares de leitores ao redor do mundo desde o início do século XX. Com praticamente 100 anos de história, os quadrinhos, assim como o cinema, música e as outras formas de arte, possui seu próprio panteão de gênios lendários, criadores de personagens icônicos que se tornaram símbolo da cultura pop e de histórias fantásticas que encantam pessoas de todas as idades e gerações. E esse post é para falar, nem que seja só um pouco, sobre um dos mais incríveis gênios que pertencem a este panteão: Hal Foster.

                                                                  Hal Foster, 1940. Não perturbe, gênio trabalhando.

Harold Rudolf Foster, seu nome completo, nasceu no dia 16 de Agosto de 1892 em Halifax, Nova Escócia, Canadá. Como qualquer pessoa “normal” daquela época, o pequeno Hal não cresceu com o sonho de trabalhar com histórias em quadrinhos. Entretanto, imediatamente após concluir a escola formal aos 13 anos, o jovem Hal iniciou um curso de autoeducação no Winnipeg Carnegie Library, aprendendo a desenhar através de seus inúmeros primeiros esboços.

Em 1910, com apenas 18 anos, Foster começou a trabalhar como artista para a Hudson Bay Company desenhando roupa intima feminina para o catalogo de vendas da empresa. Porém, problemas financeiros o forçaram a trabalhar como freelancer a partir de 1913. Em 1915, Hal se casou com Helen Wells e o casal trabalhou como guias de caça e com prospecção quando, em 1917, encontraram um veio de ouro de “1 milhão de dólares” que poderia ter feito a vida dos dois, mas que, infelizmente, acabou sendo roubado por grileiros em 1920.

Foi então que Hal Foster, aos 28 anos, casado e com dois filhos para sustentar, resolveu apostar de vez na carreira de ilustrador. Em 1921, junto do amigo Syd Metcalfe, percorreu uma trilha de mil milhas de bicicleta de Winnipeg até Chicago, nos Estados Unidos. Lá, Foster arranjou um emprego e se matriculou na Chicago Art Institute, complementando seus estudos depois na Chicago Academy of Fine Arts e na National Academy of Design.

Foster colaborou para a Palenske-Young Studio ilustrando publicidade e capas de revista. Em 1927, Joseph H. Neebe, um associado de Foster, conseguiu autorização do escritor Edgar Rice Burroughs para adaptar sua grande obra, Tarzan dos Macacos, para os quadrinhos. Neebe queria transformar Tarzan dos Macacos em tiras de cartuns e convidou Hal Foster para ilustra-las. Foster aceitou o convite: começava sua história nos quadrinhos.

Tarzan por Hal Foster

As tiras diárias de Tarzan ilustradas por Hal Foster estrearam no dia 7 de janeiro de 1929. Hal chegou a se afastar das tiras diárias durante um curto período, mas foi convencido a voltar e assumir dessa vez as tiras dominicais de Tarzan em 1931. Foi Hal quem deu ao Tarzan seu visual mais conhecido, estabelecendo uma aparência de nobreza e aristocracia que seria seguida não apenas por todos os quadrinistas que iriam desenhar as aventuras do Homem-Macaco como também pelas adaptações cinematográficas do personagem. Hal também rejeitou os tradicionais “balões de fala” e optou por colocar narração e diálogos “in captions” nos cantos inferiores ou superiores dos quadros. Essa técnica permitiu que Foster criasse ilustrações livres de texto e com fundos maravilhosamente detalhados. Uma legião de fãs pelo trabalho de Foster em Tarzan surgiu e, orgulhoso pelo reconhecimento, Hal começou a colocar mais empenho nas tiras entregando para os fãs narrativas e ilustrações cada vez mais espetaculares.

                                                             Tarzan desenhado por Hal Foster: o início da Lenda.

Hal Foster permaneceu nas tiras dominicais do Tarzan até 1937 quando deixou o trabalho nas mãos de Burne Hogarth (outro gênio que merece seu próprio post em outro momento). Cansado de trabalhar com adaptações de histórias de outras pessoas, Foster começou a pensar na sua própria obra original e esta, mesmo sem saber naquele momento, o imortalizaria no mundo dos quadrinhos.

O Príncipe Valente

O grande trabalho de Hal Foster com Tarzan o colocou na mira de muitos empresários que queriam que Hal fizesse tiras em seus jornais. Um desses era ninguém menos do que o célebre magnata William Randolph Hearst (a grande inspiração do diretor Orson Welles em Cidadão Kane). Hearst enviou um convite a Foster para fazer tiras para seu jornal e Foster enviou em resposta sua ideia de tira chamada “Derek, Filho de Thane” que mais tarde seria rebatizada de “Príncipe Valente”.

                                                                                       O Príncipe Valente de Harold Foster.

Hearst ficou tão impressionado com as ideias e os desenhos de Foster para Príncipe Valente que prometeu uma divisão 50-50 dos rendimentos brutos da tira, além de garantir a propriedade total de Príncipe Valente para Hal Foster caso ele aceitasse fazer as tiras em seu jornal, um acordo inédito para artistas de quadrinhos naquela época. Foster prontamente aceitou a oferta.

No dia 13 de Fevereiro de 1937 a primeira tira de jornal de Príncipe Valente era publicada com o estilo que Foster havia desenvolvido e aperfeiçoada nas tiras de Tarzan. Era o início de uma das maiores aventuras nos quadrinhos de todos os tempos. A mitologia criada por Foster era simplesmente cativante: Rei Aguar perde o trono de Thule (atual Noruega) para o usurpador Sligon. O rei deposto foge com seus poucos seguidores, sua rainha e seu filho, o jovem príncipe Valente (também chamado de Val) para os pântanos selvagens da Bretanha. O príncipe Val perde sua mãe na adolescência e é quando ele decide sair da segurança de onde vive e se aventurar para se tornar um cavaleiro. No caminho, Val adquire “Flamberge – A Espada Cantante”, uma arma forjada pelo mesmo mago que criou a lendária Excalibur do Rei Arthur.

Não demorou muito para “Príncipe Valente” se tornar um sucesso absoluto graças ao nível incomparável de realismo, detalhamento e perfeccionismo do traço de Foster, fruto de exaustivas pesquisas históricas que incluíam visitas pessoais do artista a localidades para reproduzi-las com exatidão nos seus quadros, e a narrativa contínua e sofisticada das tiras, bem acima dos padrões das HQ’s comuns, também saída da mente brilhante de Hal Foster.

                                                       As tiras do Príncipe Valente de Hal Foster: A consagração da Lenda

Por três décadas e meia, Hal Foster escreveu e desenhou as tiras semanais coloridas de Príncipe Valente. Durante esse tempo, os leitores puderam acompanhar o príncipe Val viver incríveis aventuras, crescer, se tornar um cavaleiro do Rei Arthur, lutar grandes batalhas, ajudar o pai a recuperar seu reino, ganhar o coração da Rainha Aleta das Ilhas Nebulosas, se casar com ela, ter um filho e envelhecer em contos tão sensacionais que tornaram Príncipe Valente uma verdadeira e grande aventura épica fazendo o Príncipe Edward, Duque de Windsor e membro da Família Real Britânica na época, considerar a obra de Hal Foster “a maior contribuição para a literatura de língua inglesa surgida nos últimos 100 anos”.

                                                    O traço belíssimo de Hal Foster foi um marco dos quadrinhos

Príncipe Valente alçou Hal Foster definitivamente à condição de mestre dos quadrinhos, tornando-o uma figura seminal e referência de excelência e qualidade para muitos outros artistas. R. C. Harvey argumenta que o Príncipe Valente de Foster e o Flash Gordon de Alex Raymond “criaram o padrão-ouro de tiras de quadrinhos pelo qual todas as outras seriam avaliadas”. Carl Barks, grande cartunista dos personagens Disney Pato Donald e Tio Patinhas era fascinado pelo trabalho de Foster e o procurava emular sempre que possível, principalmente as cenas com água desenhadas por Foster que Barks considerava “incomparáveis”.

O estilo limpo e detalhado de Foster foi uma das maiores influências para uma geração que ia conduzir a Era de Ouro dos quadrinhos como Joe Kubert, Jack Kirby, Bob Kane, Joe Simon e outros como Wally Wood, Lou Fine, Frank Frazetta, Wayne Boring, Al Williamson, Frank Thorne, Mark Schultz, Steve Ditko, William Stout e muito mais. Joe Kubert considerava Hal Foster, Alex Raymond e Milton Carniff “Os Três Santos” dos quadrinhos nos anos 30 e 40. Wally Wood era “obcecado” pelo trabalho de Foster e aprendeu a desenhar tentando copiar as tiras de Príncipe Valente. Jack Kirby dizia ter “canibalizado” o estilo de Foster junto com o de outros para encontrar o seu próprio. A admiração do “rei dos quadrinhos” por Hal Foster era tanta que se traduziu em homenagem através da criação do demônio Etrigan, cujo visual foi inspirado pelas ilustrações de Foster em Príncipe Valente.

     

Demônio Etrigan de Jack Kirby e Príncipe Val usando uma máscara de demônio ilustrado por Hal Foster: Gênio inspirando gênio. 

Hal Foster trabalhou sozinho no Príncipe Valente durante quase todo o restante de sua carreira. Em 1970, cansado, sofrendo de artrite que prejudicava seu desenho e não querendo entregar um “trabalho amador”, começou a empregar assistentes para ajudá-lo a cumprir o prazo das tiras enquanto planejava sua aposentadoria. Muitos assistentes o ajudaram até ele escolher John Cullen Murphy como seu colaborador e substituto no Príncipe Valente. Murphy passou a desenhar as tiras enquanto Hal ficava responsável pelos roteiros e arte-final. Hal Foster deixou de assinar as páginas de Príncipe Valente em 1975, mas o grande gênio continuou contribuindo com roteiros quase até sua morte, em Spring Hill, Florida, em 25 de Julho de 1982 aos 89 anos.

Príncipe Valente não deu apenas para Hal, o carinho do público e a admiração de outros quadrinistas, mas tanto a obra quanto seu autor foram reconhecidos por muitos prêmios e homenagens. Foster ganhou o Silver Lady Award de Banshes em 1952, foi reconhecido pela Sociedade Nacional dos Cartunistas com o Reuben Award em 1957, ganhou o Story Comic Strip Award em 1964, o Special Features Award em 1966 e 1967, todos eles por seu trabalho com Príncipe Valente. Também recebeu o Gold Key Award em 1977 e o Elzie Segar Award em 1978. Ao completar 73 anos, Hal Foster foi eleito membro da Royal Society of Arts da Grã-Bretanha, uma honra que poucos norte-americanos receberam até hoje. Postumamente, Hal Foster foi incluído no Will Eisner Award Hall of Fame em 1996, no Joe Shuster Canadian Comic Book Creators Hall of Fame em 2005 e no Society of Illustrators Hall of Fame em 2006.

Harold Foster foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores gênios das histórias em quadrinhos. De natureza reservada e modesta, sempre se preocupou em entregar o melhor trabalho possível, o que fez com sobras. Príncipe Valente permanece até hoje como um pilar e clássico dos quadrinhos tanto para quadrinistas profissionais quanto para os leitores amantes da 9ª Arte.

Obrigado por tudo mestre Hal!

Espero que tenham gostado do post, galera. Pretendo fazer sobre outros quadrinistas se for do agrado de vocês.

Autor do Especial : Felipe Pinheiro 

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