Especial | Gênios dos Quadrinhos #2: Alex Raymond

Saudações Geeks! Depois do grande Harold Foster, o Gênios dos Quadrinhos de hoje é dedicado a um quadrinista responsável por criar alguns dos personagens mais icônicos e memoráveis das Histórias em Quadrinhos e cuja importância e influência atingiu outros segmentos da cultura pop, como televisão e cinema, e até a ciência e o desenvolvimento tecnológico. Estou falando de ninguém menos do que Alex Raymond.

  Alex Raymond  

Alexander (Alex) Gillespie Raymond nasceu no dia 2 de outubro de 1909 em New Rochelle, Nova York. Filho de Beatrice Wallazz e Alexander Gillespie Raymond Sr, Alex desde cedo demonstrava um interesse e gosto por desenhar. Seu pai, um engenheiro civil e construtor de estradas, sempre encorajava a paixão do filho permitindo, inclusive, que o jovem e pequeno Alex cobrisse uma parede inteira do escritório do pai com seus desenhos.

Infelizmente, Alexander G. Raymond Sr veio a falecer quando o pequeno Alex tinha apenas 12 anos. Sem seu maior incentivador, Alex começou a sentir que não teria um bom futuro nos desenhos como ele imaginava e isso o fez ingressar na Iona Preparatory School com uma bolsa de estudos e em seguida conseguir um emprego como funcionário da Bolsa de Valores de Wall Street.

A quebra da Bolsa de Valores de Wall Street em 1929, que deu início a mais cruel crise econômica da história, transformou Alex Raymond em um dos milhões de americanos desempregados. Foi nesse momento que Alex decidiu seguir sua antiga paixão matriculando-se na Grand Central School of Art de Nova York e paralelamente aos seus estudos trabalhava como procurador de um corretor de hipoteca para se sustentar.

Um ano após iniciar seus estudos, Alex Raymond largou seu emprego de procurador para trabalhar como assistente do cartunista Russ Westover nas tiras de jornal criadas por Russ Tillier the Toiler (que ficou conhecida no Brasil como Ditinha) que contava as aventuras da jovem e atraente Tillie na cidade grande. Westover era ex-vizinho e amigo de longa data de Raymond e, por isso, estava bem ciente do seu talento.

A oportunidade de trabalhar em Tillie com Westover foi a primeira experiência profissional de Alex Raymond nos quadrinhos e alavancou sua carreira fazendo com que ele fosse introduzido no King Features Syndicate, empresa distribuidora de tiras em quadrinhos, onde Raymond se tornaria um artista da equipe e criaria suas obras mais famosas.

Tillie the Toiler: O início de Alex Raymond nos quadrinhos

Além de auxiliar Westover, Raymond trabalhou como assistente de Lyman Young nas tiras Tim Tyler’s Luck de 1930 a 1933. Em 1932 e 1933 ele seria o “escritor-fantasma” das tiras semanais e dominicais de Young (isto é, escrevia as tiras, mas não era creditado como autor). No mesmo período, ele auxiliaria Chic Young nas tiras de Blondie.

No final de 1933, Alex Raymond recebeu o pedido da King Features Syndicate para criar uma tira dominical que pudesse competir com as tiras space opera de Buck Rogers no século 25, personagem da literatura pulp criado por Philip Francis Nowlan que seria o primeiro herói espacial dos quadrinhos estreando em 1929 e já tendo gerado a tira “rival” Brick Bradford em 1933. Raymond acatou o pedido e como lembrou o presidente da King Features, Joe Connolly:

“Raymond trouxe uma ideia baseada em aventuras fantásticas semelhantes àquelas de Julio Verne”.

Ao lado do roteirista Don Moore, um veterano da literatura pulp, Alex Raymond criou sua tira original de ficção cientifica Flash Gordon. Para complementar as tiras dominicais de Flash Gordon, Raymond também criou a tira Jungle Jim (conhecida no Brasil com Jim das Selvas), que era sempre publicada no espaço acima das tiras de Flash Gordon e contava as aventuras da jovem Jim Bradley e seus companheiros nas selvas do sudeste asiático. As duas tiras seriam lançadas em janeiro de 1934

Ainda em janeiro de 1934, duas semanas após o lançamento de Flash Gordon e Jungle Jim, outra tira foi lançada com os desenhos de Alex Raymond: Agente Secreto X-9, que era escrita por Dashiell Hammet e contava as histórias e missões de espionagem de um agente sem nome (conhecido apenas pela designação X-9). Um detalhe interessante sobre as tiras é que as três foram encomendadas pela King Features para competir com outras tiras de jornais: Se Flash Gordon foi criado para competir com Buck Rogers, Jungle Jim competia com as tiras do Tarzan enquanto Agente Secreto X-9 foi criada para competir com as tiras de Dick Tracy.

Na sequência: Flash Gordon, Jungle Jim, Agente Secreto X-9, todos saídos das mãos talentosas de Alex Raymond

Raymond ficou pouco tempo desenhando Agente Secreto X-9: No final de 1935, deixou as tiras diárias do agente secreto para se dedicar mais tempo nas tiras dominicais, principalmente em Flash Gordon. A decisão se mostraria muito acertada, pois graças a ela, Alex Raymond não faria de Flash Gordon apenas um competidor para Buck Rogers: Ele faria de Flash Gordon um ícone.

No dia 7 de janeiro de 1934, a primeira tira de Flash Gordon seria lançada contando as suntuosas aventuras Sci-Fi de Flash Gordon, um bem-apessoado jogador de polo da Universidade de Yale, e seus companheiros: a bela Dale Arden e o Dr. Hans Zarkov. Quando o misterioso planeta Mogo entra em rota de colisão com a Terra, ameaçando todo o planeta, o Dr. Zarkov inventa um foguete para viajar pelo espaço sideral até Mongo e impedir a catástrofe. Um tanto quanto louco, Zarkov acaba raptando Flash e Dale e os três juntos acabam viajando até Mogo. Chegando no planeta, o trio impede a colisão e entram em conflito com o Imperador Ming, O Impiedoso – o cruel e malvado governante de Mogo.

A primeira tira de Flash Gordon: o início do épico.

 Ao longo dos anos, a genialidade de Raymond levou Flash Gordon, seus companheiros, e os leitores, a viveram sensacionais aventuras viajando pelo planeta Mogo, enfrentando as forças do tirano Ming e conhecendo lugares espetaculares como o reino da floresta de Arboria, governado pelo príncipe Barin, o reino de gelo de Frigia da rainha Fria, o reino da selva de Tropica da rainha Desira, o reino subaquático dos Homens-Tubarão do rei Kala e a cidade voadora dos Homens-Gavião do príncipe Vultan. Após diversas histórias espetaculares, Flash conseguiu derrotar Ming e libertar Mogo, que passou a ser governado por um conselho liderado pelo príncipe Barin. Jungle Jim e Agente Secreto X-9 também fizeram sua parcela de sucesso, mas Flash Gordon superou todos com folga.

Criado para competir com Buck Rogers, Flash Gordon fez um estrondoso sucesso. A arte sensual e bela de Alex Raymond – com seus desenhos limpos e claros e inspirados, segundo o próprio Raymond, tanto por ilustradores populares como Matt Clark e por artistas clássicos como Michelangelo – conquistou a preferência do público, fazendo Flash Gordon superar seu “rival” Buck Rogers, atraiu ainda mais leitores fiéis para seus quadrinhos e tornou Alex Raymond um dos quadrinistas mais admirados, e imitados, naquela época.

A arte sensacional de Alex Raymond transformou Flash Gordon em um sucesso absoluto

Com seu virtuosismo, Alex Raymond usou Flash Gordon para introduzir inovações na narrativa gráfica diminuindo o número de quadros por página, criando assim painéis maiores onde ele poderia desenhar paisagens e personagens ainda mais detalhados e tornando os desenhos ainda mais épicos. Raymond também usou as tiras de Flash Gordon para marcar sua posição com relação às “ameaças estrangeiras” que pairavam sobre a América: não era à toa que o Imperador Ming possuía feições orientais ou que Mogo e todo seu aparato repressor remetesse à claque nazifascista em uma época em que as tensões entre americanos e japoneses aumentavam perigosamente e Adolf Hitler ameaçava colocar toda a Europa sob seu jugo totalitário. Embora a política americana ainda fosse reticente com a entrada dos EUA na guerra, Raymond e outros quadrinistas acreditavam que os EUA tinham que se envolver diretamente e usavam suas histórias para engajar a população no conflito.

Foi essa convicção que fez Alex Raymond deixar as tiras de Flash Gordon em 1944 para se juntar aos Fuzileiros Navais durante a Segunda Guerra Mundial. Promovido como capitão e designado para a área de relações-públicas dos fuzileiros, Raymond passou a produzir pôsteres e imagens patrióticas para o escritório do governo. Sua imagem mais famosa dessa época é “Fuzileiros em Oração”. Desejando estar mais perto da ação, treinou com os fuzileiros em Santa Barbara e serviu na frente do Pacifico em 1945.

Fuzileiros em Oração: Raymond usou seu talento para ajudar os EUA no esforço de guerra

Alex Raymond foi dispensado dos Fuzileiros em 1946 e decidiu voltar aos quadrinhos. Com as tiras dominicais de Flash Gordon agora sob a responsabilidade de Austin Briggs, a King Features deu a Raymond a oportunidade de criar uma nova tira. Após ir até outro mundo com Flash Gordon, desbravar a selva em Jungle Jim e se aventurar na espionagem em Agente Secreto X-9, Alex Raymond resolveu partir para as tiras policiais e assim nasceu Rip Kirby.

A primeira tira de Rip Kirby (que aqui no Brasil ganhou o nome de Nick Holmes), foi publicada no dia 4 de março de 1946. As tiras contavam os casos investigados pelo detetive particular Rip Kirby, um ex-fuzileiro e combatente da Segunda Guerra assim como Raymond. Apesar de ter usado elementos das histórias detetivescas da literatura pulp – como alcoolismo, a presença de assistentes e um repertório de femmes fatale – Alex Raymond fez Rip Kirby bem afastado do arquétipo das histórias de detetive da época dando a seu personagem uma namorada fixa no lugar dos casos casuais com as clientes, um assistente velho e fraco e ambientando as histórias numa moderna e vibrante Nova York.

A tira também marcou uma mudança no estilo de desenho de Raymond inspirado pelo estilo de Al Parker do estúdio Cooper de Publicidade, que passou a captar e glorificar a vida americana contemporânea pós-guerra. Apesar das tiras serem em preto e branco, Alex Raymond se esforçou para adicionar tom e criar cor através de contrastes. Embora não tenha alcançado o mesmo impacto de Flash Gordon, Rip Kirby fez um grande sucesso e o novo estilo de Alex Raymond foi imitado por muitos e passou a ser chamado “estilo Raymond”.

Em Rip Kirby, Alex Raymond mostrou toda a sua versatilidade

Além de seu trabalho nos quadrinhos, Alex Raymond atuou como presidente da National Cartoonists Society de 1950 a 1952, colocando em prática a estrutura da comissão responsável por supervisionar a organização e usando sua posição para defender os quadrinhos como uma forma de arte. Seu trabalho à frente da National Cartoonists Society e o sucesso de suas criações fez Raymond ganhar muito dinheiro. Infelizmente, a carreira e a vida de Alex Raymond foram tragicamente abreviadas no dia 6 de setembro de 1956 quando, dirigindo o Corvette do amigo e também cartunista Stan Drake em Westport, Connecticut, sofreu um grave acidente e veio a falecer com apenas 46 anos de idade.

Apesar de sua morte precoce, Alex Raymond é consagrado como um dos maiores e mais importantes nomes das histórias em quadrinhos de todos os tempos e sua obra é considerada uma das melhores já feitas. Flash Gordon é um dos mais importantes quadrinhos americanos, influenciando praticamente todas os quadrinhos de aventura espacial e ficção cientifica feitos posteriormente. Por isso, a historiadora de arte de ficção cientifica Jane Frank afirma que:

“Raymond é um dos maiores autores de ficção científica de todos os tempos, mesmo sem ter escrito um livro sequer de ficção científica”.

John Clute, outro historiador de ficção cientifica, afirmou que a arte de Alex Raymond em Flash Gordon é graciosa, imaginativa e elevada, considerando a obra de Raymond o quadrinho mais importante de ficção cientifica. R. C. Harvey afirma quem o Flash Gordon de Raymond apresentava um virtuosismo igualado apenas pelo Príncipe Valente de Hal Foster e a Enciclopédia de Ficção Cientifica exalta o estilo elaboradamente sombreado, a história exótica de Flash Gordon e sua arte que enfatizava um “barroco romântico”.

As tiras de Flash Gordon se tornaram um ícone dos quadrinhos

Além de Flash Gordon, o trabalho de Raymond em Rip Kirby também foi muito influente e inspirou todas as tiras de estilo Soap Opera dos anos 50 e 60 como afirma o biógrafo Tom Roberts. O estilo fotorealista de Alex Raymond também é exaltado por fazer imagens tão realistas e tão belas e com apelo atemporal. Muitos aspectos do estilo de Raymond – incluindo o uso de feathering (uma técnica de sombreamento em que uma série suave de linhas paralelas ajudar a sugerir o contorno de um objeto) – inspirou gerações de cartunistas, tornando o trabalho de Raymond a “matéria-prima” para o futuro dos quadrinhos. Rip Kirby é especialmente notável nesse caso pelo uso de sofisticados espaços escurecidos.

Tendo feito quadrinhos com tanta qualidade e inovação, não é estranho que Alex Raymond tenha sido uma enorme inspiração e influencia, seja em vida como postumamente, para dezenas de outros quadrinistas, tanto aqueles que foram conterrâneos de Raymond como para as futuras gerações. A começar com dois jovens rapazes responsáveis por criar o primeiro super-herói das histórias em quadrinhos: Jerry Siegel e Joe Shuster eram grandes fãs de Alex Raymond e se inspiraram nas vestimentas do herói Flash Gordon para criar o icônico traje do Superman.

Além do Superman, Flash Gordon de Alex Raymond também foi uma forte influência para a concepção de outros heróis. A clássica capa de Detectives Comic #27 com o primeiro vislumbre do Batman foi desenhada por Bob Kane inspirada em um desenho de Flash Gordon feito por Raymond em 1937 e Dennis Neville concebeu o traje do Gavião Negro inspirado nos “Homens-Gavião” de Flash Gordon.

Os Homens-Gavião de Flash Gordon e o Gavião Negro: Alex Raymond como um precursor dos super-heróis.

Muitos outros quadrinistas já citaram Alex Raymond como uma grande influencia para seus trabalhos incluindo Murphy Anderson, Jim Aparo, Frank Brunner, John Buscema, Gene Colan, Dick Dillin, José Luis García-López, Bob Haney, Jack Katz, Everett Raymond Kinstler, Joe Kubert, Russ Manning, Joe Orlando, John Romita Jr, Alex Toth e muitos outros. Al Williamson citava Raymond como sua principal influencia e a razão de ter se tornado quadrinista e Jack “The King” Kirby era fascinado pelos trabalhos de Alex Raymond e se inspirou muito nas aventuras espaciais de Flash Gordon para criar suas historias cósmicas tanto na Marvel em The Mighty Thor como na DC com a saga O Quarto Mundo.

A influencia e importância de Alex Raymond é tamanha que transcendeu os quadrinhos e se alastrou para outros segmentos da cultura pop. Flash Gordon foi um grande astro da primeira metade do século, ganhando diversas adaptações no radio, televisão e no cinema. As aventuras de Flash Gordon também foram uma das principais inspirações para os filmes de um jovem e iniciante cineasta que tentava se firmar em Hollywood nos anos 70. Quem era o cineasta? George Lucas. Que filmes foram esses inspirados por Flash Gordon? A Saga Star Wars.

Como se tudo isso não bastasse, os trabalhos de Alex Raymond também foram importantes para a ciência e o desenvolvimento tecnológico. A Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (a famosa Nasa) chegou a utilizar os desenhos futuristas de Raymond em Flash Gordon como referência na pesquisa de questões de aerodinâmica que contribuíram assim para o desenvolvimento de novas tecnologias como foguetes de longo alcance e a criação do Ônibus Espacial, que levou a exploração do espaço da ficção cientifica para a realidade e cotidiano da sociedade.

Se os quadrinhos são o que são hoje, com certeza muito se deve a Alex Raymond. Passadas décadas, suas obras continuam como uma referência de qualidade tanto para profissionais como para leitores. Sua paixão pela narrativa gráfica ajudou a elevar o nível das historias em quadrinhos e a fazer com que estas fossem vistas como verdadeiras formas de arte. Alex Raymond é sem duvida um Gênio dos Quadrinhos.

Alex Raymond, nós saudamos você!

É isso ai Geeks! Espero que tenham gostado do post! Quem é fã de Alex Raymond, comente aí quais suas histórias favoritas desse gênio da nona arte. E fiquem ligados aqui no Geeks in Action para mais “Gênios dos Quadrinhos”. Abraço!

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