William Peter Blatty para criar a sua obra literária mais famosa, “O Exorcista“, se inspirou numa lenda de um caso que até hoje não foi oficialmente comprovado que é o do exorcismo de um garoto pertencente a uma família luterana na década de 40 que morava em Moint Raider em Maryland. Até hoje nunca foi comprovado o seu nome, mas há quem o chame de Robbie Mannheim ou Roland Doe. Robbie possuía uma tia, Harriet, que era espírita e acabou lhe ensinando como usar um Tabuleiro Ouija, objeto o qual a tia usava frequentemente para se comunicar com espíritos. Ele acabou contraindo o mesmo hábito da tia e usava frequentemente o tabuleiro.
Após o uso de tal objeto, começou a surgir algo estranho na casa de Robbie. Sons de goteira que não vinham de lugar nenhum, a pintura de Cristo que eles haviam dentro da casa começava a tremer sem parar e depois cessava e barulhos de ruídos e arranhadas dentro das paredes. O pai de Robbie procurou por roedores dentro da casa e não achou nada. Poucos dias após esses incidentes estranhos, Tia Harriet e a melhor amiga de Robbie vieram a falecer. O garoto tentava usar o tabuleiro Ouija para tentar comunicar-se com eles, algo que muitos acreditam ter sido o estopim da possessão.
O caso ficou ainda mais emblemático quando a família viu que objetos ficavam “voando” pela casa às vezes sozinhos sem nenhuma explicação. Incidentes estranhos também ocorriam na escola ou em qualquer lugar que o garoto estivesse. Às vezes até em seu sono. Os pais recorreram ao Reverendo Luther Miles Schulze que chamou psiquiatras e médicos, mas nenhum conseguia encontrar uma resposta para o que o menino sofria. Schulze deciciu levar Robbie ao seu dormitório um dia e o colocou amarrado ao lado de sua cama. Enquanto o menino dormia rachaduras apareciam nas paredes de todo o prédio, os móveis e lençóis moveram-se de seus lugares originais e uma pesada cadeira de fero foi arremessada contra a parede pelo garoto que de algum modo se livrou de suas amarras. Depois dessa noite aterrorizante, o reverendo chegou a conclusão de que o garoto estava possuído.
Sendo assim Schulze chamou o padre Edward Hughes para realizar o exorcismo. Logo na primeira sessão Robbie ficou extremamente violento e atingiu o padre fortemente e teve que ser mandado para casa. O garoto gritava sem parar e muitas vezes as palavras “Inferno” e “Satã” apareciam em sua pele. Um dia estranhamente se deu para ler o nome da cidade “Saint Louis” na pele de Robbie e os pais, por pura intuição, o levaram para tal cidade. Ao chegarem lá, eles falaram com o padre Raymond J. Bishop e o reverendo William S. Bowdern que assumiram o caso. Eles perceberam que Robbie tinha aversão a objetos sagrados (água benta, a Bíblia e o crucifixo), sua cama tremia sempre, objetos flutuavam perto dele e ele falava línguas desconhecidas. Outro padre da região, Walter Halloran, pediu permissão para que fosse realizado o exorcismo e ela foi concedida. Para que isso ocorresse o próprio padre deveria realizar o exorcismo, deveria fazer um registro diário de tudo o que aconteceu durante a sessão e o local deveria se manter em absoluto sigilo, embora muitos digam que aconteceram na ala psiquiátrica do hospital da Universidade de St. Louis.
No total foram exatas trinta sessões de exorcismo durante aproximados dois meses. Robbie falava com um tom de voz que não o pertencia, uma jarra de água benta ficava pairando sobre o ar e isso sem contar com as estranhas palavras que apareciam no corpo do garoto. Em uma das sessões o garoto chegou a quebrar o nariz de Halloran com a força descomunal que havia dentro de si por causa do demônio. Quando o padre e o reverendo perguntaram quando o demônio iria embora do corpo do menino, ele disse que só iria sair quando Robbie disseste as palavras certas. Certo dia, o garoto disse “Christus, Domine” (Cristo, Senhor em latim) e barulhos altos começaram a eclodir de todos os lugares. Após isso, Robbie acordou dizendo não se lembrar de nada que havia acontecido. Eles voltaram para a sua cidade e o garoto virou uma pessoa comum de novo se casando e virando pai. Nenhum incidente estranho veio ocorrer com o garoto novamente.
O caso, como muitos outros que envolvem possessão, está lotado de céticos. Muitos acreditam que tais sessões de exorcismo nunca foram realizadas e alguns amigos de Robbie alegaram que houve muito em exagero sobre o que aconteceu e que havia muitas coisas que podiam ser facilmente explicadas. Até o padre Halloran falou que havia muita coisa manipulada, porém não negando a condição de Robbie. Vários psiquiatras concluíram que o garoto podia estar sofrendo de Transtorno de Múltipla Personalidade, Síndrome de Tourette, Esquizofrenia, Automatismo, Transtorno Compulsivo-Obsessivo, Histeria Coletiva e, quem sabe, abusos sexuais.
Muitos anos mais tarde, em 1997, o escritor Mark Opsasnick fez o trabalho como nenhum outro em relação ao caso. Determinando quem o menino era, onde morava antes e durante o acompanhamento (Mark afirma que na verdade ele nunca morou em Maryland). Ele conduziu entrevistas com amigos e familiares que fizeram um voto de silêncio por mais de quarenta anos e conseguiu realizar uma entrevista com o possível Robbie agora adulto.
O primeiro jornal a falar sobre o caso foi o Washington Post que continha vários relatos do padre Schulze. Em 1950, o mesmo jornal lançou um artigo que falava que Robbie gritava que nem um “cordeiro no abate” e só falava em latim. Blatty após lê-lo teve a inspiração que precisava para fazer seu livro.
Quando lançado em 1971, “O Exorcista” recebeu ótimas críticas e foi chamado de um dos livros mais aterrorizantes já feitos (título que o livro carrega até hoje). William Peter Blatty recebeu a medalha de prata do Commonwealth Club de literatura e, segundo o Spanish Book Institute, a sua versão traduzida em espanhol foi o oitavo livro mais vendido em 1975 na Espanha. Com todo esse sucesso não demorou para uma adaptação ser feita. John Boorman foi sugerido para dirigir o filme, porém recusou dizendo que achava a história cruel demais. Curiosamente ele aceitou dirigir anos mais tarde a, péssima, continuação do filme: “O Exorcista 2 – O Herege”. No final o escolhido foi William Friedkin para dirigir a produção.
No set de gravações aconteceram muitos acidentes, os quais muitos dão a culpa ao tema abordado pelo filme. Max Von Sydow recebeu a notícia que seu irmão havia morrido enquanto filmava, a esposa grávida de um assistente de câmera perdeu o bebê durante as gravações, o vigia noturno do set foi morto a tiros, um carpinteiro acabou cortando o seu dedo do pé fora e outro o polegar, a atriz Ellen Burstyn sofreu uma séria lesão na coluna numa cena após o diretor mandar puxar a corda que estava amarrada a ela com tudo de si. Houve um incêndio no set onde a única parte intacta foi o quarto de Regan. Esse mesmo quarto foi construído em um freezer e por causa disso os atores tiveram que atuar com camisas de frio. Linda Blair só usava uma camisola em suas cenas e acabou contraindo pneumonia. O responsável pela refrigeração também acabou morrendo e a causa da morte não foi encontrada. Os atores Jack MacGowran e Vasiliki Maliaros acabaram morrendo antes do filme estrear nos cinemas americanos. Friedkin para deixar de mais real o medo atirava para o alto sem aviso prévio no meio das gravações. A confusão chegou a tanto que o roteirista William Peter Blatty, o mesmo que escreveu o livro, chamou um padre para exorcizar o set. Ele não aceitou dizendo que isso iria aumentar a tensão existente, mas concordou em abençoá-lo.
Depois de várias sessões testes, onde público falava que era um dos filmes mais assustadores que eles já viram, senão o mais, “O Exorcista” foi lançado em 26 de dezembro de 1973 nos Estados Unidos. E nessa data foi lançada uma obra-prima do gênero do terror que consegue impactar o espectador de uma forma que muitos filmes falham.
Na história temos uma garota, Regan MacNeil, que de repente começa a ter um comportamento estranho e perigoso, onde com os vários acontecimentos sobrenaturais que ocorrem em sua casa, sua mãe Chris MacNeil desconfia que a filha pode estar possuída pelo demônio. Ela pede ajuda para o Padre Karras que está passando por uma crise de fé após a morte de sua mãe doente.
O terror apresentado em “O Exorcista” é um terror muitas vezes diferente do que o espectador está acostumado a ver. A sua atmosfera é construída de uma forma impecável com uma narrativa que leva o espectador de forma orgânica a pensar que no final a garota está possuída. Há várias cenas que não sairão da cabeça, como a cena que a Regan desce a escada de uma forma estranha ou a cena da masturbação, mas o filme não depende dessas cenas para impactar. Graças ao trabalho dos dois William`s, Friedkin e Blatty, o espectador fica com a impressão que o mal está cercando os personagens desde à primeira vista da estátua do demônio Pazuzu até a cena do exorcismo. É um filme que fica preso na cabeça do espectador após o seu término e perdura lá por muito tempo.
O elenco do filme é algo fora do padrão. Ellen Burstyn está impecável na pele da mãe que vê a degradação de sua filha e, por mais que tente, não pode fazer nada. Afinal, o Diabo é um inimigo intangível que só pode ser derrotado pela fé e Burstyn não podia passar de uma forma melhor a imagem de uma mãe agonizada. Linda Blair, no papel que marcou tanto a sua carreira que ela não conseguiu se desvincular-se dele e receber os holofotes outra vez, está sensacional como a garota possuída. Regan se tornou um símbolo da cultura pop e dos filmes de terror sendo a “Menina Possuída” mais conhecida ao redor do público em geral. Após o lançamento do filme, Linda foi ameaçada de morte por fanáticos religiosos que falavam que a atriz glorificava o demônio por meio de sua atuação. Por conta disso, ela teve que ficar protegida por seguranças do estúdio por seis meses.
Jason Miller transmite de forma perfeita o padre que está com crise de fé que muitas vezes se sente culpado pela morte de sua mãe. Seu olhar cansado muitas vezes mostra tudo o que precisamos saber sobre o seu personagem. Max Von Sydow, mesmo com pouco tempo de tela, está igualmente impecável como o Padre Merrin. Cada exorcismo para ele é um campo de batalha e esse é seu principal confronto. O resto do elenco está incrível com destaque para Jack MacGowran como o diretor de cinema Burke. William Peter Blatty ainda faz uma ponta no começo do filme.
Nos outros aspectos técnicos a obra não decepciona. A edição, a fotografia, a direção de arte, a edição de som são outros aspectos notáveis da produção. “O Exorcista” é um filme que sobrevive de forma excepcional ao longo do tempo. O público saía praticamente traumatizado das salas. Alguns cinemas saiam distribuindo sacolas de vômito para quem fosse assistir a produção, pois muitos saiam com náuseas ou vomitando. Ele foi vetado em algumas cidades do Reino Unido e muitos britânicos que queriam assistir tinham que pegar o ônibus criado pela distribuidora para vê-lo, ele se chamava “The Exorcist Bus”. Depois de tantas reações do público aclamando o filme , o resultado nas bilheterias não podia ser outro. Até a publicação desse post, “O Exorcista” é, na bilheteria ajustada, o segundo filme de terror com maior arrecadação e configura em nono lugar nos filmes de maior bilheteria ajustada. Ele foi indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Edição de Som, Melhor Cinematografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Edição no Óscar de 1974 onde ele ganhou de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Edição de Som.
Em 2000, o filme foi re-lançado nos cinemas com quatorze minutos de cenas inéditas e a reação do público foi a mesma do que em 1973, comprovando toda a capacidade de causar medo no espectador que o filme possui. Seu sucesso foi tão grande que gerou algumas sequências: o terrível já citado “O Exorcista II – O Herege”, o razoável “O Exorcista III” (que é uma adaptação do livro Legion de Blatty, que roteiriza e dirige o filme) e o prequel “O Exorcista – O Início” que possui uma versão alternativa “Domínio – Uma Prequela de O Exorcista”. Em 2016, foi lançada uma série inspirada no filme que tinha Geena Davis, Alfonso Herrera, Ben Daniels, Hannah Kasulka, Alan Ruck e Briannne Howey. A primeira temporada da série recebeu vários elogios e sua crítica pode ser lida aqui.
“O Exorcista” foi um marco em relação aos filmes de terror. Seu legado influenciou muitos filmes e continua influenciando até hoje. Um filme aterrorizante que assombra gerações. Basta perguntar para qualquer pessoa qual o filme que a mais assustou e esse filme, com certeza, estará na maioria das respostas.
Título Original: “The Exorcist” (1973)
Direção: William Friedkin
Roteiro: William Peter Blatty
Elenco: Ellen Burstyn, Linda Blair, Jason Miller, Max Von Sydow, Lee J. Cobb, Jack MacGowran, Kitty Winn, Vasiliki Maliaros
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