Recomendação | Frankenstein de Mary Shelley (1994)

Assistindo a uma palestra do médico, físico, filósofo e investigador italiano Luigi Galvani a respeito da estranha e mórbida teoria da Bioeletricidade, Mary Shelley ficou fascinada com a teoria sobre uma espécie de eletricidade proveniente de organismos vivos proposta pelo excêntrico Galvani, enquanto Galvani passava uma corrente elétrica através de um sapo morto, os restos do animal  se contorciam, parecendo voltar à vida. A jovem escritora Mary Shelley, com perspicácia, viu que o fenômeno renderia um bom conto de terror.

A teoria da Bioeletricidade de Galvani foi brilhantemente refutada por Alessandro Volta no famoso experimento do sistema de pilhas, mas de certa forma,  deixou como legado um dos maiores contos de terror de todos os tempos, Frankenstein. Foi em 1818 que a escritora britânica Mary Shelly, aos 19 anos, publicou seu conto de terror gótico “Frankenstein” ou “O Moderno Prometeu”, para se ter uma noção da importância da obra literária, Frankenstein foi a “primeira obra de Ficção Científica da história”. 

Existe uma infinidade de adaptações para a obra de Mary Shelley, poucas são dignas de nota, e a maioria são deturpações vergonhosas que ridicularizam o Monstro. Uma das mais notáveis, foi a primeira adaptação feita pela Universal Studios de 1931, com o inesquecível Boris Karloff interpretando a criatura, que definiu as características mais marcantes do Monstro. Uma outra adaptação, relativamente recente e mais fiel ao conto original, é a produção estrelada por Robert De Niro, Kenneth Branagh e Helena Bonham Carter, de 1994 dirigida pelo próprio Kenneth Branagh, que interpreta o Dr. Frankenstein, curiosamente o filme é pouco lembrado pelo público, ainda que possua um ótimo elenco, produção e direção competentes. É sobre o filme intitulado Frankenstein de Mary Shelley, relegado ao ostracismo que vamos falar agora!

Sinopse

O Capitão Walton e sua tripulação, navegando rumo ao norte numa expedição, encontra-se num terrível dilema, continuar seguindo rumo ao norte e correr o risco de ficar preso nas geleiras em meio à tempestade, ou desistir da expedição a fim de preservar a sua vida e dos tripulantes? Capitão Walton está irredutível e se nega a cancelar a viagem rumo à morte certa, sua tripulação enfurecida planeja um motim contra o Capitão. Eis que os expedicionários encontram um homem à beira da morte e prontamente o socorrem, desejando saber o infortúnio que o levou até os confins gelados do polo norte, o Capitão decide ouvir a história do misterioso homem. Então, Victor Frankenstein (Kenneth Branagh)começa a contar os fatos que o levaram até o derradeiro momento, desde a infância aristocrática em Genebra, a morte de sua mãe, seu ingresso na universidade de medicina e seus experimentos de reanimação, faz um relato da criação de seu monstro e a história de como decidiu brincar de Deus é contada por meio de flashbacks.  

O Moderno Prometeu é um conto inspirado na mitologia grega, onde Prometeu, um titã, decide roubar o segredo do fogo e entregar para a humanidade, tal ato é severamente punido por Zeus. No conto, o fogo é representado pelo segredo da criação da vida, que é um dom de Deus e quando Victor Frankenstein decide se apropriar dele, sua descoberta se transforma em uma terrível desgraça, em uma enorme maldição…

A proposta do filme de 1994 é se aproximar o máximo possível do conto de Mary Shelley, coisa que nenhuma outra produção havia conseguido. Para tanto, o filme começa com uma brilhante e completa introdução aos dilemas de Victor Frankenstein (Kenneth Branagh), filho mais velho de um médico respeitável. A mãe de Victor está grávida e seu pai é responsável pelo parto, infelizmente tudo dá errado e a mãe de Victor vem a falecer. O pai fica desolado diante de sua própria impotência como médico, observa a morte levar sua esposa e filho. Victor por sua vez, se revolta contra Deus e decide procurar uma forma de vencer a morte a qualquer custo. Assim, Victor deixa sua casa, a amada Elizabeth (Helena Bonham Carter) e vai cursar medicina na Alemanha, a obstinação de Victor é construída e fundamentada em sua vontade de não perder mais ninguém que ama, mesmo que isso signifique ignorar a ética e seguir caminhos proibidos e marginalizados pela comunidade medica.

Valendo-se de conhecimentos que misturam medicina e alquimia, costurando pedaços de cadáveres roubados em um laboratório escondido no sótão de sua casa, Victor Frankenstein trás à vida sua aberração grotesca. O Monstro interpretado por Robert De Niro, não lembra em nada o folclórico homem gigante, azul e de parafusos no pescoço da Universal Studios, é um ser deformado e remendado, suas suturas são proeminentes e dão um aspecto repulsivo ao seu corpo, a qualidade do trabalho rendeu ao filme uma indicação ao Oscar de melhor maquiagem no ano seguinte. Passado o momento de auto-júbilo por parte de Victor, diante de sua criação, o cientista se dá conta do que sacrificou para dar origem à sua heresia. Em um momento de reflexão, se deveria ou não destruir a prova de seu pecado, Victor ainda exausto, cai no sono. Quando desperta, o mostro já havia fugido.

De Niro, de forma competente, interpreta o monstro em todas as suas fases, inicialmente sem lugar no mundo, incompreendido, começa a vagar sem destino, sendo maltratado por todos por causa de sua feiura e posteriormente tomado de ódio pelo criador. Sem alma, perturbado, odiando o mundo por não ter um lugar, odiando o pai pelo desprezo injustificado, o monstro vai atrás de Victor para indagá-lo, e daí surge um dos diálogos mais filosóficos e contemporâneos aos caminhos da nossa ciência, o monstro de Frankenstein questiona seu criador a respeito de sua responsabilidade sobre sua criação, se Victor tinha consciência do sofrimento imposto por ele à sua criatura, um ser desfigurado e perturbado.

A criatura dá então um ultimado, diz que tem em seu coração sentimentos bons e também muito ódio, se não puder dar vazão a um, dará a outro. Exige então que Victor crie uma companheira para ele, e assim sumiria no mundo, do contrário, Victor se arrependeria. O que segue, é uma queda de braço entre criatura e criador e a origem da grotesca noiva de Frankenstein, não revelarei maiores detalhes do enredo. Confira o trailer a seguir:

Enfim, Frankenstein de Mary Shelley é o filme mais fiel à obra original já feito (obs – não é exatamente fiel), trás um Monstro articulado, inteligente, e caracterizado de forma mais realista, não é nenhum gigante, mas consegue ser aterrador. O Monstro se torna mais sábio que o cientista egoísta que o criou a ponto de questionar sua responsabilidade, bem diferente dos filmes da Universal Studios no passado, onde o Monstro emitia grunhidos e andava de forma engessada. O filme é ainda um paradigma para qualquer cientista e/ou pesquisador que se encontre em uma encruzilhada ética entre fazer ou não fazer algo de consequências imprevisíveis. Recomendo que assistam a essa interessante adaptação de uma das mais famosas pérolas da literatura de todos os tempos.

Título Original: Frankenstein
Ano do lançamento: 1994
Produção: Francis Ford Coppola
Gênero: Terror, Drama
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Frank Darabont

Tá aí mais uma recomendação cinematográfica, espero que gostem! 

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